Grupo Aberto em Saúde Mental
- brandaolenise
- 11 de jan.
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O propósito deste trabalho é o de apresentar uma experiência de grupo, discorrendo sobre os aspectos que puderam ser observados em sua evolução, incluindo seus efeitos terapêuticos e levantando ao final alguns questionamentos a serem aprofundados em futuros trabalhos.
Situam-se fora dos limites desta apresentação, em virtude do escasso tempo disponível no momento para a sua elaboração, maiores considerações teóricas sobre o processo de grupo, tal como é visto e concebido dentro dos parâmetros da Abordagem Centrada na Pessoa, remetendo o leitor, caso haja interesse nesses aspectos para Carl Rogers, John Wood e Afonso da Fonseca.
Passemos agora ao relato da experiência. Ressalto que os nomes de pacientes aqui mencionados são fictícios.
Este grupo ocorreu por um período de um ano no ambulatório de um hospital público psiquiátrico. As pessoas, que lá chegavam em busca de tratamento, passavam primeiramente por um grupo de recepção, sendo, então, encaminhadas para o atendimento que parecesse mais adequado a elas. Dentre os atendimentos disponíveis havia o grupo aberto das terças-feiras, no horário de 14h às 15h30m, sendo eu a técnica responsável.
Este grupo estava aberto a qualquer pessoa, independente de seu diagnóstico psicopatológico, tivesse ela passado por experiências anteriores de internação ou não. A frequência era opcional, de acordo com a disponibilidade, a necessidade e o interesse de cada pessoa, havendo quem participasse do grupo semanalmente, quinzenalmente ou mensalmente. Não raro havia pessoas que optavam pela frequência quinzenal ou mensal por falta de dinheiro para as passagens de ônibus, ou pela necessidade de conseguir trabalhos avulsos para a sua subsistência. O grupo era composto, portanto, por pessoas de baixíssima renda, muitas dependendo de auxílio previdenciário.
Desta forma, ficavam caracterizadas a heterogeneidade e a flutuação na composição do grupo. Da primeira, concluía-se ser este um grupo centrado não em uma patologia ou problemática específica, como usualmente se compunham grupos de neuróticos, psicóticos, alcoólatras, etc., mas centrado em pessoas, nas suas vivências, no que elas tinham de comum e de singular. Essa variedade de realidades individuais possibilitava um maior enriquecimento das trocas no grupo e uma ampliação do leque das vivências grupais.
Da segunda característica, deduzia-se que cada encontro grupal realizava o seu próprio ciclo e se esgotava em si mesmo, de acordo com as necessidades e a disponibilidade de cada elemento do grupo naquele momento, e com a configuração (Gestalt) única dessas necessidades e disponibilidades em cada encontro, que contava em média com oito elementos, havendo um total de vinte pessoa ligadas ao grupo.
Não obstante tal flutuação em sua composição, o grupo se constituiu com uma identidade e com uma permanência para os seus elementos, afigurando-se a eles como um ponto de referência, como um continente de ajuda, que lhes oferecia uma possibilidade de expressão com aceitação e tolerância, além das trocas afetivas. Ou seja, as pessoas percebiam o grupo como um espaço, onde elas podiam falar de si mesmas, do que as afligia naquele momento e das experiências passadas que permaneciam com forte significação emocional, sentindo-se ouvidas em seus sentimentos, em suas necessidades, em seus valores e em suas expectativas.
No grupo, cada elemento podia também entrar em contato com as experiências dos outros, no que essas experiências possuíam de semelhança e/ou de contraste com a sua própria vivência. Havia, portanto, um duplo movimento no processo grupal, a saber: um movimento de aproximação pelas semelhanças, através de fenômenos de identificação e de empatia, e um movimento de confronto das diferenças individuais e das contradições ou polarizações internas em um mesmo indivíduo.
Constituíam-se essas aproximações e esses confrontos em ricos momentos de reiteração ou reorganização da identidade dos elementos do grupo, cada qual para si mesmo e para os outros, convertendo-se o grupo num espaço, onde as pessoas iam sentindo-se paulatinamente seguras, cada uma a seu tempo, para realizarem uma experimentação e uma expansão de si mesmas na interação com os outros elementos do grupo, arriscando-se na expressão de si mesmas e em novos comportamentos na relação com o outro.
Houve pessoas que frequentaram o grupo desde seu início com uma participação semanal, e outras que entraram e/ou saíram durante o processo, sendo sempre ressaltada a escolha e a responsabilidade de cada pessoa com o seu próprio tratamento, com a busca do seu bem-estar.
Ficando desde o início caracterizado o aspecto aberto do grupo, a recepção e a incorporação dos elementos novos na dinâmica ocorriam com facilidade, denotando uma abertura e uma flexibilidade da estrutura grupal. Em geral, podia-se observar o seguinte comportamento do grupo na chegada de um novo participante: era feita por alguns elementos uma apresentação do grupo como um todo, de seu modo de funcionamento, de suas regras e do objetivo geral da presença de todos ali, havendo um encorajamento da expressão verbal do novo membro, quando assinalavam os efeitos positivos desta expressão com depoimentos pessoais. Buscavam desta forma uma identificação com o novo elemento.
Temos como exemplo a seguinte fala de Mário para uma pessoa recém-chegada: -“A gente ‘tá aqui p’rá ouvir. Aqui é p’rá gente falar, p’rá colocar tudo p’rá fora. Se a gente não fala, fica apertando dentro da gente.” Curiosamente, Mário tinha dificuldade de expressar-se verbalmente no grupo, liberando-se gradativamente. E acrescentou: - “A gente sai daqui mais leve.”
A ligação do grupo com cada elementos se fazia sobretudo através da expressividade desse elemento no grupo, ou seja, mais pela qualidade do que pela quantidade de sua interação no grupo, de acordo com a exposição de si mesmo, com a sua capacidade de compreender empaticamente, e de dar e receber feedback dos outros.
Com a evolução do processo grupal, pôde-se observar o desenvolvimento de uma maior sensibilidade e tolerância entre os membros do grupo. Convidado a falar por Mário, José disse: -“Não, deixa Isabel falar, ela está precisando, vai fazer bem a ela.” Havia um cuidado e um respeito com a pessoa que não se encontrasse bem em determinado momento, fosse por efeito da medicação e/ou devido ao seu estado mental ou emocional, evitando-se solicitá-la além das suas possibilidades, sem, no entanto, excluí-la.
Inicialmente, o grupo centrou-se na facilitadora, por conta inclusive do modelo de relação médico-paciente fortemente impregnado por razões econômico-culturais nas classes mais baixas. A facilitadora era vista pelas pessoas do grupo como a autoridade, a quem todos deveriam dirigir-se e quem todos deveriam ouvir, pois ela teria o saber e o poder de avaliar e julgar o estado mental de cada um deles.
Em vez disso, eu procurava ouvir cada pessoa que se expunha com atenção, buscando compreendê-la dentro do seu referencial, ou seja, apreender os sentimentos e as necessidades, os significados das vivências que ela estava trazendo-me naquele momento, procurando passar para ela a minha compreensão.
Gradativamente, esse tipo de comunicação passou a ocorrer entre os elementos do grupo, ao mesmo tempo em que o grupo ia descentrando-se da facilitadora. Através dessa atitude de compreensão empática, um participante ia ajudando o outro a focalizar, clarear e explicitar a vivência deste. Por exemplo, quando Conceição estava com dificuldade para definir e expressar o que ela sentia, Joana lhe perguntou: - “É assim um aperto aqui no peito?”, com o que Conceição imediatamente concordou, prosseguindo mais facilmente em sua fala. Em outro momento, quando uma nova participante tentava expor de uma maneira um pouco confusa como estava se sentindo, Neuza acrescentou: - “Você não está entendendo nem você mesma.”, com o que a outra participante assentiu.
Desta forma, uma pessoa facilitava a expressão da outra, incentivando-a a falar de si, a “falar com sentimento”, sobretudo a partir da percepção dos transtornos que a retenção de sentimentos, de expressão havia lhe causado. A esse respeito Elvira comentou: - “É por isso, por causa de ficar engolindo as coisas calada, que eu estou aqui, que eu fiquei desse jeito.”
As relações no grupo foram tornando-se mais próximas e mais diretas, sendo as expressões das diferenças absorvidas pelo grupo sem desagregação. As interações davam-se cada vez mais sem a interferência direta da facilitadora. Diferentes participantes assumiam em diferentes momentos a liderança, facilitando o processo grupal, ao mesmo tempo em que passaram a solicitar colocações pessoais da facilitadora. Ou seja, à medida em que o grupo evoluía e assumia a responsabilidade pelo seu processo, ia se tornando independente das intervenções da facilitadora, cuja figura destacada de autoridade ia se dissolvendo, convertendo-se aos olhos do grupo em uma participante do processo.
Fato bem ilustrativo dessa evolução ocorreu quando fui chamar os participantes na sala de espera e eles vieram ao meu encontro conversando animadamente entre si. Um deles, a Elvira, me disse sorrindo: - “Já começamos o grupo!”
Que efeitos terapêuticos puderam ser observados nesse processo? Em primeiro lugar, os participantes desenvolveram uma maior percepção de si mesmos como uma totalidade orgânico-psíquica, reagindo como um todo (corpomente) às suas situações de vida. Passaram a perceber os seus sintomas, as suas queixas orgânicas e/ou psíquicas como respostas, como expressões do que estava sendo vivenciado por eles em suas vidas.
Ampliaram e aprofundaram a compreensão de si mesmos, atingindo uma maior discriminação na percepção de seus sentimentos e de suas necessidades. Como consequência, os seus comportamentos tornaram-se mais de acordo com esses sentimentos e necessidades em cada momento. Assim foi que Neuza, sentindo-se muito insatisfeita com as atitudes de alguns de seus filhos, experimentou mudar-se para outro barraco em outra favela. Após duas semanas, constatou consigo mesma que aquela solução também não atendia completamente às suas necessidades e aos seus sentimentos de mãe, decidindo, então, retornar e tentar outra solução com os filhos. Esse processo de tomada de decisão, avaliação da experiência e reposicionamento, Neuza o percorreu sozinha, visto que durante esse período não compareceu ao grupo.
Houve uma mudança no conceito de si mesmo dos participantes, na medida em que eles foram experimentando-se no grupo como pessoas capazes de pensar e de se expressar a respeito de si mesmos, dos outros e do mundo. Perceberam-se com capacidade de avaliação e de atuação na sua própria realidade e na realidade do outro, mesmo nas precárias condições socioeconômicas em que viviam. Ou seja, perceberam-se com um poder pessoal para atuarem em suas próprias vidas, o que, juntamente com a satisfação sentida na experienciação deste poder, fomentou neles o sentimento de valor pessoal – “se eu posso, eu sou.”
A esse respeito, Neuza comentou, orgulhosa de si mesma, que ela era a melhor parteira da favela, quem os vizinhos chamavam, quando tinha uma criança para nascer. E outra coisa, que ela fazia muito bem, era alisar cabelo. Mário contava, também orgulhoso, como tinha construído o seu barraco e falava dos planos para melhorá-lo.
Além dessas mudanças e confluente com elas, houve uma mudança de atitude dos participantes do grupo em outras relações significativas de suas vidas, a partir do que era experienciado nas relações intragrupais. Elvira passou a expressar a sua discordância e a sua contrariedade na relação com os filhos e com o marido, alterando o seu padrão de comportamento também nessas relações. Telma percebeu que não adiantava ficar discutindo com o pai – uma pessoa rígida e limitada, concluindo que o melhor para ela era montar uma casa para si, pois assim teria uma vida mais tranquila e a possibilidade de uma relação menos conflitante com o pai, visto que não estaria mais dependendo dele.
Outro efeito do processo grupal a ser destacado foi o fato de um dos participantes formar um grupo em sua própria vizinhança, demonstrando que os elementos de um grupo autodirigido tornam-se potencialmente focos geradores de outros grupos, expandindo o seu alcance terapêutico e rompendo o isolamento muitas vezes presente entre as pessoas em comunidades de baixíssima renda. Mário relatou contente: - “Fiz um grupo no meu barraco! Fiz um bolo e chamei o pessoal. Fomos comendo o bolo com café e conversando.” Justamente o Mário (lembram?), que sentia tanta dificuldade em expressar-se...
Passemos agora a alguns questionamentos, tendo como base o processo do grupo e seus efeitos.
Em primeiro lugar, alguns psicoterapeutas veem a heterogeneidade na composição do grupo como um fator que tende a atuar negativamente na dinâmica grupal, dificultando a focalização e o consequente aprofundamento de uma determinada temática. Ou seja, diante de uma pluralidade, o grupo tenderia a uma dispersão e à superficialização do processo. Aqui cabe uma pergunta: - A questão da heterogeneidade não estaria de fato remetendo a uma dificuldade do psicoterapeuta em lidar com várias realidades distintas em interação entre si e consigo próprio?
De acordo com o que pôde ser observado, a heterogeneidade na composição do grupo funcionou positivamente, possibilitando a reprodução no grupo da pluralidade presente na vida, no contexto existencial de cada participante. Em vez de limitar o processo, gerou uma maior possibilidade de experimentação e percepção de cada pessoa em relação a si mesma e ao outro no contexto grupal, enriquecendo as interações. Havia mais estímulos para a mobilização e a emersão de uma gama mais ampla de vivências em cada indivíduo.
Desta forma, o aprofundamento do processo do grupo como um todo e do processo de cada participante no grupo ocorria em uma espiral crescente, havendo momentos muito significativos de percepção, compreensão e expressão de si mesmo na interação grupal, independentemente da flutuação na composição do grupo, que a cada encontro se configurava de uma forma única e imprevisível.
Podemos questionar se os participantes, que tinham uma frequência semanal, não teriam constituído um fio condutor e integrador do processo. Mas não devemos esquecer que a ligação do grupo se fazia também com aqueles participantes que tinham uma frequência mensal, ou seja, estes eram também sentidos como pertencendo ao grupo, sendo mencionados nos encontros, quando ausentes, e saudados alegremente, quando compareciam.
A imprevisibilidade fazia, portanto, duplamente parte do processo – em termos dos conteúdos que emergiriam, das interações que ocorreriam (“O que vamos falar hoje? Quem vai falar?”), e em termos da composição do grupo (“Quem vai estar, quem eu vou encontrar hoje no grupo?”).
Outro aspecto, que merece ser destacado, foi o desenvolvimento da atitude empática entre os participantes. Até que ponto se deu a influência da facilitadora atuando como modelo na sua interação com cada pessoa que se expressava, promovendo deste modo este tipo de comunicação no contexto grupal? Até que ponto se deu por uma feliz obra do acaso uma reunião de pessoas, que traziam em si mesmas uma capacidade de compreensão empática já razoavelmente desenvolvida e/ou que se desenvolveu na interação grupal, da qual a facilitadora fez parte?
O fato de os participantes pertencerem a uma mesma classe social e partilharem um mesmo universo cultural, com uma visão de mundo e vivências semelhantes, determinadas por um mesmo contexto econômico e social, não terá também facilitado a compreensão empática entre eles? Por outro lado, neste caso, a diferença de cultura e de classe social entre a facilitadora e os demais participantes exigiu daquela um maior exercício, no sentido de poder dar-se conta dos conceitos e valores em si mesma, ligados a sua classe e cultura específicas, para conseguir captar o mais fidedignamente possível os conceitos e valores distintos, vividos por aquelas pessoas em outro contexto cultural.
Para finalizar, não terá a abordagem de grupo com classe pobres um alcance terapêutico maior que a abordagem individual pela possibilidade de recriação no grupo de sua própria cultura, podendo, então, experienciarem-se como agentes e participantes ativos de suas próprias realidades?
Como disse Lazzarini, “Poder ou não poder, eis a questão.”
Referências:
- Rogers, C.R. (1981). Grupos de Encontro. São Paulo: Editora Martins Fontes.
- Rogers, C.R. (1983). Em Busca de Vida. São Paulo: Editora Summus.
- Fonseca, A.H.L. da (1988). Grupo -Fugacidade, Ritmo e Forma. São Paulo: Ed. Ágora.
- Wood, J.K. et al. (1994). Abordagem Centrada na Pessoa. Vitória: Fundação Ceciliano Abel de Almeida.
- Lazzarini, R. (n.d.). La Psicoterapia – Un problema de poder. Texto não publicado.

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